O Menino e a Garça

 

A morte como chama para voltar a viver - e voar. 

Viver o luto é uma experiência única e individual. A dor que a ausência causa nunca poderá ser sentida. Poderá ser partilhada, ser alvo de cuidado e olhar. Mas a flechada que abre e reverbera a dor…só quem vive pode sentir. O choro que cai molha a nossa cama.

Superar é rememorar e relembrar de onde viemos e aceitar os mistérios da vida. Como será que ela era quando estava grávida? Como será que ela sentiu a dor do parto? Como foi quando ela me viu chorar a primeira vez? Como foi que ela se queimou e me deixou…

Mahito é um menino. Sua mãe faleceu durante um incêndio no meio da 2ª Grande Guerra e ir ao interior passa a ser a única saída para aquela família. Ali ele conhece uma garça. E é através dessa voz incomoda, provocativa, agressiva e pedante que Mahito vai precisar encarar a ausência e a esperança. Mas O Menino e a Garça não é só um filme sobre viver o luto. É, em especial, relembrar e registrar de onde viemos. Quem somos. Quais são nossas raizes. E é no mundo de Miyazaki que conseguiremos acompanhar essa fábula cheia de realismo e de fantasia que nos faz sorrir, chorar, sonhar e encher o coração.

A beleza da animação está para além da jornada do nosso Mahito. Está em especial na homenagem que Miyazaki faz de sua própria obra. Já vimos a guerra em Vidas ao Vento ou Porco Rosso, mundos fantásticos com Chihiro, portais temporais incríveis em Castelo Animado, congestionamento naval em Ponyo, a ausência materna e vida no interior em Totoro… Miyazaki faz em O Menino e a Garça uma grande reverência ao seu próprio legado. Seu mundo de seres enigmáticos, ousados, amedrontadores, fabulares e alegóricos que nos encanta.

Mahito reencontrou sua rota. Seu eu. Sua marca. Miyazaki é Mahito. Sempre foi essa criança a contar histórias de infância, de fantasias, de dores, da família, dos desastres, do Japão. E ele consegue mais uma vez com sua sensibilidade ímpar reafirmar que é uma das maiores mentes que já voaram por essas terras. 

Que a dor doa. Que a busca seja ousada e inquietante. Que encaremos nossos medos. Que procuremos abrigo no que somos… Continue a voar, Hayao!

Comentários

Postagens mais visitadas