A Paixão Segundo G.H.

 


O texto imaculado. O absurdo exasperado. A verborragia imponente. Os sons aguçados. As imagens compondo. A mistura complexa. 

Juntar Luiz Fernando Carvalho e Clarice Lispector em uma mesma obra gera uma hecatombe de arte, incômodo, reflexão, exaustão e profundidade que só esses dois artistas icônicos - cada qual em sua caixa - poderiam fazer. Dizem que adaptar Clarice é impossível. Mas Luiz já adaptou tantas obras literárias ditas inadaptáveis como Os Maias, Dom Casmurro, Lavoura Arcaica, Dois Irmãos e A Pedra do Reino que A Paixão Segundo G.H. caiu nas mãos mais capazes. 

E ao colocar as reflexões de GH tal qual o texto, em seus fluxos de consciência complexos e angustiantes, torna o filme uma obra incomoda. Mas o que as imagens, a escolha de formato de tela, a montagem e, em especial, a trilha sonora nos apresenta é quase que a concretização desse impossível. Acompanhar GH em seus devaneios em seu apartamento burguês é refletir não só a sua própria existência. É também conectar dom a crítica a essa burguesia ao aprisiona-la no quarto de empregadas. É demonstrar que seus receios e medos - e nojos - são construções também de uma ditadura horrenda. De uma luta de classes silenciosa.

Porém o que mais a amedronta é ser mulher. Se confrontar com o medo de falar e contar o seu segredo. Encara a barata que está posta para amedrontar, fazer gritar, berrar a dor e as emoções que ser mulher lhe causam. Matar o desejo não lhe cabe. Não é possível. É urgente essa necessidade. O desejo precisa pulsar nem que pra isso seja preciso comer a barata. Matar o nojo. Permitir-se ser livre e imperativa. Mesmo que suas vozes internas lhe aprisionem em uma caixinha. 

Luiz fez o impossível. Maria Fernanda Cândido faz a emoção explodir nesse monólogo de si própria. Sentir. Mergulhar num profundo poço pra ver Deus do seu próprio inferno. Nem que seja arrumar todo quarto de empregada e se ver nela. Nem que seja pra nada. 

Nem que o nada seja exatamente tudo que reste para GH. E pra nós. O nada num profundo mergulho no vazio que é A Paixão Segundo G.H. Um experimento. Um mergulho. Uma potência. 

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