Sessões entrevista Woody Allen

Sessões traduziu e adaptou uma entrevista de nosso homenageado do mês – Woody Allen. A entrevista foi cedida a Scott Tobias no site A.V. Club em agosto de 2008, quando da estreia de “Vicky Cristina Barcelona”. Woody fala sobre o ofício do cineasta, elogia Penélope, Johansson e Bardem, contraria a filosofia do “recordar é viver” e alfineta a crítica. Com vocês Mr. Woody Allen!



É difícil mensurar o impacto de Woody Allen na comédia e cultura norte-americana, pois sua obra é vasta e ainda está em curso. Sua filmografia como roteirista, diretor e ,frequentemente, ator principal compreende mais de 40 filmes. O primeiro – Desde “Um Assaltante Bem Trapalhão” de 1969 ou, como por alguns considerado, “O que Há Tigresa?” de 1966, Allen tem sido o porta-estandarte da sagacidade judaica de Nova Yorque, um cronista persistente e perspicaz das relações humanas. Recebeu merecidas 21 indicações ao Oscar e ganhou quatro: Roteiro, Direção e Melhor Filme por “Noivo Neurótico Noiva Nervosa” e Melhor Roteiro por “Hannah e Suas Irmãs”. Outros destaques de sua longa carreira incluem “Bananas”, “O Dorminhoco”, “ Manhattan” , “ A Rosa Púrpura do Cairo” , “Crimes e Pecados”, “Maridos e Esposas”, “ Poucas e Boas” e "Match Point" – Em quatro décadas de carreira, Allen detém a inacreditável marca de um filme por ano. Tudo isto, sem contar seus discos de comédia, os seus textos para a The New Yorker e outras publicações, sua banda de jazz e suas aparições como ator em trabalhos de outras pessoas.

The A.V. Club: Como Barcelona interfere na história? Seria diferente em outra cidade, como Roma ou Madrid?

Woody Allen: Não interfere. Este filme poderia acontecer em Madrid, Roma, Veneza ou Paris. No entanto, há muitas cidades em que não poderia ter sido feito, pois foi necessário o colorido, o exótico de uma cidade cosmopolita com grande profundidade cultural e enorme potencial visual. Há uma série de cidades na Europa assim. Não teria sido fácil fazê-lo em Londres, embora seja uma grande cidade, ela tem um sentimento menos exótico e um pouco mais seco. Mas Barcelona é uma entre outras tantas que poderiam ser filmadas. Eles me ligaram e disseram: "Você faria um filme em Barcelona se financiar?" E eu disse: "Claro." Mas se alguém de Roma me chamasse e dissesse: "Você faria um filme em Roma?" Eu poderia facilmente ter feito o mesmo filme em Roma. Porém, digo o mesmo filme sem Penélope e Javier. É evidente que posso estar subestimando – tenho certeza de que estou – o simples e enorme impacto das personalidades de Penélope e Javier e como eles trabalham no filme, faz com que não possa haver dois italianos ou franceses que se comparem ou que pudessem se entregar como eles se entregaram. Logo, esse é um fator.

AVC: O filme “Barcelona” de Whit Stillman influenciou você? Ambos os filmes têm o mesmo pano de fundo e contrastam noções de americanos e europeus sobre amor.

WA: Não, não há relação entre os filmes. Quando ele saiu, há anos atrás, eu assisti e gostei, mas não há relação... Entre várias notas que tenho em casa, idéias em pedaços de papel, vinha “mexendo” em uma idéia que eu poderia fazer em Barcelona. Vim (a Barcelona) com duas garotas de férias. E então, Penélope Cruz ligou e disse que ouviu que eu estava fazendo um filme sobre Barcelona e que ela gostaria de estar nele. Depois que nos conhecemos, comecei a pensar: "Como eu poderia acomodar Penélope? O que ela sugere como um personagem?" E isso me levou a sua personagem. Assim, a coisa foi formada de modo completamente diferente.

AVC: Isso acontece muitas vezes? Saber quem você quer no filme e começar a escrever para ele?

WA: Não acontece mais com frequência. Anos atrás, quando eu estava em todos os meus filmes, eu sempre soube que ia ser eu e Diane Keaton, eu e Mia Farrow, ou eu e mais alguém, e podia fazer isso. Mas nos últimos anos, não houve ninguém com quem eu tenha trabalhado tão firme. Scarlett Johansson e eu fizemos alguns filmes, isso ajuda a saber de antemão que Scarlett vai ser a garota, ou quem quer que seja. Ajuda saber qual ator ou atriz fará parte do elenco, porque se pode evitar falhas de atuação e direção e explorar pontos fortes.

(…)

AVC: É um filme romântico, mas seria aceitável classificá-lo com um retrato pessimista do amor? Uma mulher deseja estabilidade e a outra deseja paixão, no entanto ambas parecem estar a procura de problemas de tipos diferentes.

WA: Eu diria que o filme é completamente triste. A aparência não é triste. Você está vendo uma cidade bonita e ouvindo músicas maravilhosas, vendo belas mulheres e um cara encantador. Portanto, esperamos que você divirta-se, há algumas risadas e em alguns momentos interessantes de virada. Mas quando tudo acaba e você reflete, você acha que Javier e Penélope não podem viver um com o outro, mas não podem viver um sem o outro e por isso são torturados pelo seu relacionamento. E Scarlett Johansson sabe o que não quer, mas não sabe o que quer e, provavelmente, nunca saberá. Acho que ela passa pela vida e não importa qual seja a relação, pensa: "Isso vai me dar uma sensação de realização." Depois cansa com o tempo, pois há um mal-estar dentro dela, há uma ansiedade interna que ela mais cedo ou mais tarde atribui a cada relacionamento Ela acredita que o defeito está no relacionamento, quando na verdade está nela. E nunca vai encontrar exatamente o que está procurando. E Rebecca Hall adoraria ter algum tipo de relacionamento exótico com Bardem, mas no final, ela está tão assustada que lida com ele sem jeito. Ela provavelmente vai ser alguma versão do casamento de Patricia Clarkson e seu marido. Talvez não idênticos, mas seu marido, provavelmente, com passar dos anos será o cara que joga golfe e e compra um barco. Eles terão um casamento estável e funcional que não será o pior do mundo, mas nunca será grandioso em nada. Portanto, sinto que é um quadro muito pessimista e triste.

AVC: A relação entre Bardem, Johansson e Cruz é a menos convencional do filme e também é de longe a mais bem sucedida. Poderia um relacionamento como esse ser duradouro, ou é apenas uma química temporária?

WA: Eu não acho que relacionamentos durem. O que é emocionante neles é a volatilidade. É como Penélope diz a Javier no filme, "Você gosta das minhas oscilações de humor, das minhas incoerências." O que é atraente para ele é que ela é imprevisível, tem enorme capacidade artística e sexualidade, é também capaz de outras paixões que são realmente impossíveis de conviver, e a química entre eles nunca funcionará. Ele sempre sentirá que ela é a melhor mulher que já conheceu quando em estado saudável, embora ela pouco fique saudável. Ela sempre será atraída fortemente pela personalidade carismática dele, no entanto ela é muito volátil, tem o parafuso solto. Isto é triste.

AVC: Como você mencionou antes, você ocasionalmente têm atrizes como Scarlett Johansson ou Diane Keaton, aparecendo em seus filmes, mas a sua “fila está sempre andando” e está sempre trabalhando com pessoas novas. Torna-se difícil prever como será a química?

WA: Eu às vezes sou surpreendido. Eu costumo arrumar pessoas que conheço e que são boas. Quando eu estava contratando Javier, eu não o tinha visto no filme dos Irmãos Coen [Onde os Fracos Não Tem Vez], pois ainda não havia estreado quando filmei este. Mas o vi em filmes espanhóis e eu sabia que era maravilhoso. Vi Penélope em trabalhos de [Pedro] Almodóvar, sabia que era maravilhosa. E de Scarlett, eu era um fã. Então, não fico surpreso com o fato de trabalharem tão bem uns com os outros. De vez em quando você recebe uma surpresa, e, geralmente, não é uma surpresa agradável. Normalmente, é contratar pessoas que acha maravilhosas, e são, porém você misturou os ingredientes errados, e diz: "Pô, esse cara era tão grande em todas as suas outras atuações. O que aconteceu aqui?" Ou alguma mulher maravilhosa que simplesmente não aparece através de você.

AVC: O que se faz quando não dá certo como você esperava?

WA: Bem, se é grave, eu demito a pessoa, pois há um investimento de milhões de dólares, dinheiro de pessoas, não quero que a coisa seja um desastre. Mas você tenta de tudo até chegar a este ponto. Este é o seu último recurso, e, finalmente, resignar-se ao fato de que você não conseguirá que cem por cento saia como foi escrito: "Essa pessoa vai me dar sessenta por cento, e aquela outra vai me dar sessenta por cento, e ainda ficará decente e ‘assistível’, não espero obter uma química eletrizante." Mas se não é nada do esperado. Oh! Deus, isto é grave, não estou conseguindo nada e isto é vergonhoso. Então, puxo o plugue.

AVC: Se virar para ter sessenta por cento é saber que o filme não é tudo o que deveria ser?

WA: Sim, mas frequentemente culpo a mim mesmo e de vez em quando atuação. No entanto, noventa e cinco por cento do tempo, quando algo sai errado é porque o roteiro não era realmente tão bom quanto eu pensava. Se escrevo um bom roteiro, será difícil arruiná-lo. Se escrevo um roteiro ruim, descubro que há problemas, quase sempre o problema dos filmes é o roteiro. De vez em quando é a interpretação, mas noventa por cento do tempo é o roteiro. De vez em quando é a direção também, mas é raro eu dizer: "Oh Deus, eu dirigi mal." Porque é mais fácil de dirigir. Se algo está mal dirigido e for refilmado no dia seguinte, será melhor organizado, funcionará melhor. Você tem muitas possibilidades. Pode se editar de maneira que funcione. Mas não há nenhum ajuste para pontos fracos no roteiro.

AVC: Você realmente não percebe os pontos fracos até estar filmando e conferindo as filmagens?

WA: Sim, normalmente, você começa a perceber nas filmagens. Pode ser mais tarde, depois de montá-lo, você diz: "Oh, uh-oh! Ninguém se compadece com o problema desse cara, eles o odeiam. Eu não contei com isso, pensei que estaria ‘no esquema’." E então há muito trabalho a fazer, começar a editar e depois regravar. Você começa a lutar para que algo sobreviva.

AVC: É comum dizer que diretores fazem três filmes diferentes: um no roteiro, um no set, e um na edição. Acredita que é verdade, ou você possui controle suficiente do processo para geralmente chegar bem próximo do que imaginou?

WA: O filme é, quase sempre, para mim, algo orgânico que cresce o tempo todo. Sento-me em casa e escrevo, estou isolado em quatro paredes e não sei o que está acontecendo. Acabo de escrevê-lo e ele está aparecendo na minha cabeça de forma idealizada, onde todos os momentos de trabalho e cada coisinha são perfeitos, porque está na minha cabeça. Então você sai e começa a fazer pré-produção e descobre que não conseguirá Javier Bardem ou Brad Pitt ou quem você queria. Aí terá que conseguir alguém. Você não realizará aquela cena, porque foi orçada em um milhão de dólares. Não conseguirá a locação, porque não vão deixar ninguém filmar nesse lugar. Então, chega o momento em que se está realmente pronto para rolar a câmera. Você fez cinquenta transições em seu roteiro original. Você distribui o script passa as falas e começa a mudar, porque não soa tão bem. Você pensa em novas piadas que parecem melhores... A coisa muda o tempo todo enquanto está sendo feita. Aí ao editar, constantemente descarta material, procurando modos inteligentes de reunir a melhor parte do material com a segunda melhor parte do material para que não se perceba que se hesitou entre duas intenções, ou seis intenções, ou algo assim. Isto continua e o trabalho só cresce. Quando acaba também matura de maneira positiva, surge algo que vale a pena assistir, ou você enterrou a si próprio.

AVC: No passado você disse que quando todo o processo termina, você está farto daquele filme. Você não olha para trás. Isso está correto?

WA: Quando o filme acaba, não há muito o que discutir. Quando o negócio está editado, montado e com as cores corrigidas e você terminou ... No meu caso, eu nunca li nada sobre isso, eu nunca penso nisso. Vicky Cristina Barcelona ainda não estreou, e eu já estou terminando de filmar e editar um filme com Larry David, Evan Rachel Wood e Patricia Clarkson, e trabalhando em outro filme. Então, só sigo em frente e não olho para trás. Eu dou muito duro no filme quando estou trabalhando nele, mas quando termina, basta para mim. Por exemplo, “Um Assaltante Bem Trapalhão”, meu primeiro filme, eu terminei, fiz o melhor que pude, e eu não penso a estrutura dele há mais ou menos trinta e cinco anos. Eu o fiz em 1965. Não observo a estrutura dele desde o dia que o coloquei para fora e isso foi o fim. Essa é a maneira como ele está comigo. Não adianta olhar para trás, porque não há nada que se possa realmente fazer para melhorar o filme. Você pode apenas irritar-se e desejar ter feito algo melhor. Eu só ponho o filme para fora e sigo em frente, e como eu digo, estou alguns filmes à frente de um que esteja prestes a surgir.

AVC: Não seria um prazer de olhar para eles, como um velho álbum de fotos ou coisa do tipo, somente para se entender onde se estava em um determinado momento?

WA: Este é um prazer que eu não me concedo, porque assim você entra em um auto-envolvimento nostálgico. Não acredito que isto possa ser bom para mim. Não gosto muito de recordar. Minhas paredes não têm fotos minhas e de atores com quem estive, ou coisas do tipo. Se você estivesse na minha casa, em Nova Yorque, não saberia que eu trabalho com cinema. Parece uma casa comum, como a de um advogado ou algo assim. Tento manter essa disciplina. Apenas trabalho. Há tantas armadilhas em que se pode entrar, e olhar para trás é certamente uma delas.


AVC: No final dos anos 80 e início dos 90, você fez uma série de filmes – “Crimes e Pecados”, “Maridos e Esposas”, “Desconstruindo Harry” particularmente – eram depressivos e foram entendidos como alusões pessoais. Você sentia algo, ou seus filmes foram mal interpretados?

WA: Não, meus filmes são mal interpretados o tempo todo. Eu não me importo com isso. Todos os filmes são mal interpretados. Mas não há maldade ou estupidez nas pessoas que interpretam mal. Você sabe o que faz, mas alguém vê e quer falar ou escrever sobre isso e assim interpreta mal. Mas esses não são mais depressivos do que “Vicky Cristina Barcelona” e certamente não mais depressivos “O Sonho de Cassandra” ou “Match Point” e todos os que estou fazendo agora são bastante depressivos. Ao contrário do que as possam pensar, não são um reflexo do que está acontecendo na minha vida. As pessoas pensam que o que sinto na minha vida privada no momento reflete na maneira de fazer filmes, mas todos que fazem filmes, ou qualquer tipo de arte criativa, dirão-lhe que não é assim. Ás vezes, quando estou me sentindo mais feliz e tudo está indo bem na vida, minha vida amorosa está maravilhosa e minha saúde está maravilhosa, faço a coisa de forma mais sombria e deprimente. E outras vezes, quando as coisas não estão indo bem para mim e estou tendo uma dificuldade pessoal, eu posso estar fazendo as minhas comédias ilárias. Não estava em um estado particularmente feliz psicologiamente ou da vida quando eu fiz “Um Assaltante Bem Trapalhão”, e “Bananas”. Não era um bom momento em minha vida. Não há nenhum reflexo da vida pessoal e eu já ouvi isso de outros artistas. O povo tende a pensar que o produto é um reflexo do seu sentimento pessoal naquele momento, quando na verdade não é. É apenas a questão de quais ideias surgiram e como elas são inspiradoras. Não tendo nenhuma relação com seu estado pessoal.

(...)

Para conferir o original desta entrevista em inglês acesse o site do A. V. Club .

Leandro Antonio
Sessões

Comentários

  1. Excelente tradução. Parabéns, Leandro.

    "AVC" é foda! huahuahuahua

    Estou pra crer que TODO diretor de cinema tem que ser excêntrico. Será o caso também do James Cameron?

    Abraços, feliz 2011!


    M.M.

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  2. Obrigado M.M. Feliz 11 pra tu também. Não sei se tooodos são excêntricos. Que todos os cienastas não excêntricos se manifestem aqui no blog...hahahe!

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  3. Olá, Leandro.

    Sou o Luiz, Editor do Cinebulição. Fiquei feliz com sua observação sobre o blog. Nós da Equipe Cinebulição tentamos ao máximo ser uma boa referência da sétima arte, principalmente com obras menos acessíveis...

    Acabei de fazer um tour pelo "Sessões" e estou impressionado. Primeiro, pela iniciativa surgida em conjunto, por um grupo de "cinéfilos marginais" (adorei isso!), e dpois, pelo trabalho que vocês fazem aqui.

    E... WOODY ALLEN!!! Meu cineasta preferido (tem alguns filmes dele aqui no Cinebulição). Adorei a entrevista!

    Abraço.

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  4. Obrigado, Luiz!
    Agora sou seguidor do Cinebulição e estou às ordens.
    Aquele abraço.

    Leandro Antonio
    Sessões

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  5. Leandro, ótimo post! Entrevista sempre são interessantes para conhecermos outro lado... Woody nunca foi meu diretor preferido, porém, os últimos filmes ( os que ele diz serem os mais depressivos) são os que mais me agradam! (Talvez eu precise de um psiquiatra).
    Mas a entrevista nos passa um cara simples, inteligente e que tem domínio do que está fazendo, e isso me atrai muito a querer ver mais, conhecer melhor, mesmo sabendo que quando ele está na tela não me agrada em nada... Que ele fique mais por trás, roteirizando ou dirigindo...

    Obrigado pela oportuinidade de ler a entrevista...
    Abraços!

    Vitor Stefano
    Sessões

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  6. Pois é, Vitor! A entrevista revela um Woody Allen muito mais simples do que alguns fantasiam. Acho que uma vez ele mesmo disse: "Me acham intelectual só por causa dos óculos.". Manter-se na indústria durante tanto tempo, com propostas como as de Allen não é para qualquer imortal, quem dirá para mortais com suas inquietações e incucações.

    Abraço, Happy 11 pra tu e pra todos os seus preferidos.

    Leandro Antonio
    Sessões

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