Um Cão Andaluz
Nome original: Un Chien Andalou
Diretor: Luis Buñuel e Salvador Dali
Ano: 1929
País: França
Elenco:Simone Mareuil, Pierre Batcheff, Dali, Buñuel, Marval, Robert Hommet, Fano Messan
Prêmios: Sem prêmios
Minha mãe e minha avó diziam tantas coisas quando uma mariposa entrava em casa e hoje começo a entender alguns porquês. Sem saber quem era Dali ou Buñuel já existia na sabedoria popular um considerável entendimento do surreal que a vida apresenta.
Hoje completam-se 28 anos da morte de Luís Buñuel. Poucos lembrarão ou saberão disto. Poucos no século 21, a não ser estudiosos e curiosos bem direcionados conseguirão acesso a metade de sua obra. É uma pena, particularmente não vi nada até hoje de Buñuel que não estivesse perto ou superasse a linha do grandioso. São aqueles filmes que quando terminam deixam você grudado na cadeira, mudam o seu estado corporal por alguns momentos. Aqueles filmes que deixam grandes e/ou insignificantes interrogações. Claro que você não vai entender tudo ou ter resposta para tudo aquilo, no entanto você se reconhece e este reconhecimento automático é que te captura e faz você ver de novo e de novo. Ver de novo o novo que se revela no mesmo, os novos automatismos, as novas identificações, as novas dúvidas.
O “Cão Andaluz” é um destes filmes de dúvidas. Com menos de 20 minutos é possível ser interminável. Caio em lugar comum, porém não consigo vê-lo se não como um filme de sonho. Sei que este filme deve já ter sido objeto de muitos estudos em arte e cinema e que qualquer coisa escrita aqui possa exalar um amadorismo dos mais safados. Acho que gosto de ser safado. Então em nome desta safadeza sujeito, os que querem continuar lendo, aos meus entendimentos das metáforas e visões de “O Cão Andaluz”, um tanto baseadas nos entendimentos que a minha mãe e minha vó imprimiram na criança que se surpreendia ao ver uma mariposa entrar pela janela da cozinha.
Era uma vez...
Um prólogo. O próprio Buñuel afia uma navalha. Sabe o que fará. Sabe que é preciso mostrar aos espectadores que ali está acontecendo um filme diferente. As relações não vão surgir a partir do olhar, mas com o partir do olhar. O corte da navalha torna-se a metáfora do olhar que precisa ganhar um outro estado para experiência de “O Cão Andaluz”. O olho precisa estar aberto. É como se Buñuel tivesse a intenção de dizer: – “O que até hoje foi apreciado por estes olhos e fizeram deles o que são podem e deverão ser esfacelados por este filme.”
Oito anos mais tarde...
Em grande parte da sequência a atenção é voltada não para os personagens, mas para os lugares e objetos. Um livro que cai aberto no quadro de Veermer*, uma caixa que parece ser um elo entre os personagens, a bicicleta, a rua, os automóveis...
A atenção volta-se para as figuras humanas, quando uma jovem no meio da rua cutuca uma mão jogada no asfalto com uma varinha. Os passantes e o casal central na janela olham aquilo. A polícia intervém: “Está tudo bem, vá para casa.” A moça, agora com o olhar menos perdido e com uma expressão serena, que aos poucos vira expressão de susto, é atropelada. Morreu nova e o que fez durante a vida se não tatear, cutucar antes para chegar perto, ou nunca chegar.
A visão do atropelamento da jovem manifesta no homem da janela um desejo sexual incontrolável. O filme desperta para o tema da pulsão sexual. A tara é forte, um desejo capaz de arrastar pianos recheados de burros e todas as concepções que foram assimiladas pela educação e religião. É como se todas as prisões da moral convencionada não fossem suficientes para reverter aspectos da condição animal e instintiva do ser humano.
Por volta das três da manhã...
Prostrado e preocupado na cama, alguém bate a porta do homem. Este chamado que parece ser sua consciência e seu entendimento de o que é certo e errado. Há uma autopunição, um arrependimento.
Dezesseis anos antes.
A morte se apresenta. O homem olha para si mesmo e a percepção do que ele se torna o conduz ao suicídio. A ideia de alienação é presente, pois ao mesmo tempo em que ele tira a própria vida, tira a vida de um outro. Um homem que se descolou de si mesmo e não sabe para onde, nem para que continuar.
A morte do marido torna-se a alforria da mulher que não quis relacionar-se com o luto (ela é indiferente à mariposa) e ganha o mundo para encontrar o primeiro homem que aparece. A escolha é totalmente sua e este homem será importante na sua vida, este homem é a personificação do seu alívio. Caminhar a beira do mar é a despreocupação e encontrar os objetos que acompanharam o marido gastos, sem serventia e expostos ao tempo é uma referência a libertação desta mulher.
Na primavera...
Amantes enterrados até a altura dos cotovelos. A impressão é de que juntos eles estacionaram, aquele sentimento que os fazia transitar, os aprisionou e mais que isto imprimiu a eles um estado vegetativo.
Este post ficou enorme para os padrões atuais da internet. Aliás, ele deveria ser muito maior. Foi necessário cortar e enquadrar. E o pior, talvez não seja nada disso dito aqui. Tratando-se da obra de Buñuel sempre haverá objeções e novidades a pontuar. Que surjam milhões de significados. Desvendar estas obras passa por um processo pessoal, de pesquisa e de imaginação. Espero que tenha despertado interesses.
Leandro Antonio
Sessões
* A Rendeira, do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675), considerado uma das influências de Salvador Dali.
Diretor: Luis Buñuel e Salvador Dali
Ano: 1929
País: França
Elenco:Simone Mareuil, Pierre Batcheff, Dali, Buñuel, Marval, Robert Hommet, Fano Messan
Prêmios: Sem prêmios
Minha mãe e minha avó diziam tantas coisas quando uma mariposa entrava em casa e hoje começo a entender alguns porquês. Sem saber quem era Dali ou Buñuel já existia na sabedoria popular um considerável entendimento do surreal que a vida apresenta.
Hoje completam-se 28 anos da morte de Luís Buñuel. Poucos lembrarão ou saberão disto. Poucos no século 21, a não ser estudiosos e curiosos bem direcionados conseguirão acesso a metade de sua obra. É uma pena, particularmente não vi nada até hoje de Buñuel que não estivesse perto ou superasse a linha do grandioso. São aqueles filmes que quando terminam deixam você grudado na cadeira, mudam o seu estado corporal por alguns momentos. Aqueles filmes que deixam grandes e/ou insignificantes interrogações. Claro que você não vai entender tudo ou ter resposta para tudo aquilo, no entanto você se reconhece e este reconhecimento automático é que te captura e faz você ver de novo e de novo. Ver de novo o novo que se revela no mesmo, os novos automatismos, as novas identificações, as novas dúvidas.
O “Cão Andaluz” é um destes filmes de dúvidas. Com menos de 20 minutos é possível ser interminável. Caio em lugar comum, porém não consigo vê-lo se não como um filme de sonho. Sei que este filme deve já ter sido objeto de muitos estudos em arte e cinema e que qualquer coisa escrita aqui possa exalar um amadorismo dos mais safados. Acho que gosto de ser safado. Então em nome desta safadeza sujeito, os que querem continuar lendo, aos meus entendimentos das metáforas e visões de “O Cão Andaluz”, um tanto baseadas nos entendimentos que a minha mãe e minha vó imprimiram na criança que se surpreendia ao ver uma mariposa entrar pela janela da cozinha.
Era uma vez...
Um prólogo. O próprio Buñuel afia uma navalha. Sabe o que fará. Sabe que é preciso mostrar aos espectadores que ali está acontecendo um filme diferente. As relações não vão surgir a partir do olhar, mas com o partir do olhar. O corte da navalha torna-se a metáfora do olhar que precisa ganhar um outro estado para experiência de “O Cão Andaluz”. O olho precisa estar aberto. É como se Buñuel tivesse a intenção de dizer: – “O que até hoje foi apreciado por estes olhos e fizeram deles o que são podem e deverão ser esfacelados por este filme.”
Oito anos mais tarde...
Em grande parte da sequência a atenção é voltada não para os personagens, mas para os lugares e objetos. Um livro que cai aberto no quadro de Veermer*, uma caixa que parece ser um elo entre os personagens, a bicicleta, a rua, os automóveis...
A atenção volta-se para as figuras humanas, quando uma jovem no meio da rua cutuca uma mão jogada no asfalto com uma varinha. Os passantes e o casal central na janela olham aquilo. A polícia intervém: “Está tudo bem, vá para casa.” A moça, agora com o olhar menos perdido e com uma expressão serena, que aos poucos vira expressão de susto, é atropelada. Morreu nova e o que fez durante a vida se não tatear, cutucar antes para chegar perto, ou nunca chegar.
A visão do atropelamento da jovem manifesta no homem da janela um desejo sexual incontrolável. O filme desperta para o tema da pulsão sexual. A tara é forte, um desejo capaz de arrastar pianos recheados de burros e todas as concepções que foram assimiladas pela educação e religião. É como se todas as prisões da moral convencionada não fossem suficientes para reverter aspectos da condição animal e instintiva do ser humano.
Por volta das três da manhã...
Prostrado e preocupado na cama, alguém bate a porta do homem. Este chamado que parece ser sua consciência e seu entendimento de o que é certo e errado. Há uma autopunição, um arrependimento.
Dezesseis anos antes.
A morte se apresenta. O homem olha para si mesmo e a percepção do que ele se torna o conduz ao suicídio. A ideia de alienação é presente, pois ao mesmo tempo em que ele tira a própria vida, tira a vida de um outro. Um homem que se descolou de si mesmo e não sabe para onde, nem para que continuar.
A morte do marido torna-se a alforria da mulher que não quis relacionar-se com o luto (ela é indiferente à mariposa) e ganha o mundo para encontrar o primeiro homem que aparece. A escolha é totalmente sua e este homem será importante na sua vida, este homem é a personificação do seu alívio. Caminhar a beira do mar é a despreocupação e encontrar os objetos que acompanharam o marido gastos, sem serventia e expostos ao tempo é uma referência a libertação desta mulher.
Na primavera...
Amantes enterrados até a altura dos cotovelos. A impressão é de que juntos eles estacionaram, aquele sentimento que os fazia transitar, os aprisionou e mais que isto imprimiu a eles um estado vegetativo.
Este post ficou enorme para os padrões atuais da internet. Aliás, ele deveria ser muito maior. Foi necessário cortar e enquadrar. E o pior, talvez não seja nada disso dito aqui. Tratando-se da obra de Buñuel sempre haverá objeções e novidades a pontuar. Que surjam milhões de significados. Desvendar estas obras passa por um processo pessoal, de pesquisa e de imaginação. Espero que tenha despertado interesses.
Leandro Antonio
Sessões
* A Rendeira, do pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675), considerado uma das influências de Salvador Dali.
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