Se a sua vida fosse um filme?


Deitados embaixo de seus glamourosos tronos de mármore ao som de harpas e recebendo uvas na boca de mil ninfetas até os milionários sem gravata devem ter um filme predileto. Dentre os maiores marcos da cultura contemporânea esta o cinema e sua maravilhosa capacidade de transformar e criar vidas. Há quem se case ao som de trilhas sonoras de cinema, há quem coloque o nome de atores, atrizes e personagens em seus filhos. Cruzamos aqui o limite de uma linha tênue que separa o que se assiste e o que se vive onde o mais banal dos blockbusters ganha vida no universo imaginário do espectador. Não há como sair ileso de uma sala de cinema ou de uma sessão caseira, seja numa TV de plasma de 72 polegadas, seja num notebook com uma tela menor que um livro de bolso. É como tatuagem. Pode te dar muita coragem, pode te entristecer e pode fazê-lo passar na entrevista de emprego amanhã. E se você passar na entrevista amanhã talvez você pense em casar-se com sua namorada que enrola há 8 anos esperando melhores condições financeiras. Será que o filho de vocês irá se chamar Luke Skywalker?

Mas... E se realmente sua vida fosse um filme? Qual seria? Se nós estivéssemos cada qual em seu "Show de Truman"? A arte imita a vida ou a vida imita a arte? E se a arte for a vida? No ideário formativo do filósofo prussiano Friedrich Nietzsche a finalidade suprema da vida é a arte. Não há formação sem vida, não há vida sem arte. Imagine: se em um ano um sujeito assistir a dois filmes a cada mês terá visto 24 obras. Pelo menos uma dessas 24 películas o fizeram tornar-se uma pessoa diferente. E, será que se cada pessoa no mundo fosse escolher um filme diferente pra representar sua vida teríamos filmes suficientes? Na China com certeza haveria briga pela escolha. No Brasil, poderíamos passear desde as pornochanchadas até os documentários cabeçudos sobre política e música. As crianças poderiam agora viver em 3D. E com certeza haveriam espertalhões vendendo a ilusão de uma vida em 6D...
Se tudo fosse uma grande "Matrix" e cada um estivesse dentro de seu filme... É uma ótima metáfora para a própria projeção de si. Numa sociedade onde viver juntos é uma tarefa que tem sido árdua há milênios talvez pelo fato de cada pessoa viver um filme interior, uma verdade particular que só pode ser encontrada pelo seu portador. O que é autêntico em uma pessoa sugere sua visão de mundo, suas concepções e preferências, suas sensações, seu estar-no-mundo. Quem seria quem nessa história?

Será que as mulheres são mesmo filmes românticos ou isso é um estereótipo bobo que só sobrevive no filme das pessoas preconceituosas? Será que todos os capitalistas querem ser o "Cidadão Kane"? E os comunistas, vão fazer sua "Revolução dos Bixos" ou será como foi em "1984"? Há quem diga que "a verdade está la fora", mas com certeza depois de "Sete Anos no Tibet" qualquer humano reconheceria o valor do recolhimento interior. Algumas pessoas são tão autoritárias a ponto de promover um "Batismo de Sangue", mas como sabemos todo ditador um dia irá enfrentar "A Queda". Outras pessoas são doces como "Amelie Poulain", frenéticas como em "Embalos de Sábado À Noite", amargas como em "Whisky", corajosas como o "Indiana Jones no Templo da Perdição", nostálgicas como em "Meia-Noite em Paris", bucólicas como em "Os Idiotas", absolutas como em "Big Fish".

Dizem que de "Dr. Dolittle" e "Bicho de Sete Cabeças" todo mundo tem um pouco e que a sina da vida humana é escrever "O Livro de Eli", plantar uma "Árvore da Vida" e ter uma "Pequena Miss Sunshine". Mas ninguém sabe ao certo qualquer fórmula pra se viver a vida sem "Melancolia". Nem "O Mágico de Oz"...

Em tempos de "Invasões Bárbaras" calculamos nosso futuro em cifras e passamos tempos e tempos sem saber o que é o autêntico prazer de viver. Nesse "teatro do absurdo" que é a vida em sociedade os papéis por vezes são lamentáveis, como na "Última Parada 174" ou em "11/9". Em missões e missões alguns tentam nos convencer de sua verdade, milhões vivem com pouco, alguns com muito, mas, eu sei, a felicidade do mundo não é proporcional a isso. No balanço das brisas mais bonitas o humano se inventa maravilhosamente. Se estivéssemos há 100 anos atrás a vida ainda não teria cores, nem som. Estaríamos prestes a entrar no primeiro conflito armado que envolveria quase todas nações do mundo. Nada mais seria o mesmo depois disso.

Num século vinte cheio de aberrações e maravilhas a vida passou a ser guiada pela beleza do cinema. As meninas vão ver o novo galã nas matinês do "Cinema Olímpia". Algo que talvez não aconteceria no "Cine Majestik" ou no "Cinema Paradiso". Isso era nos anos 1950? Nos anos 1960? Como é bom ver aquelas imagens de documentários com os rostos limpos da juventude pós-segunda guerra achando que o mundo é o paraíso e que os hippies salvarão o mundo. Se não houvessem as grandes guerras não haveria ONU. Mas será que a história tem mesmo essa relação de causa-efeito, ou será uma senhora cheia de meandros, absoluta, misteriosa e ininteligível como nos filmes de Fellini ou David Linch? Tudo mundo há de concordar que não dá pra viver eternamente num filme de Lars Von Trier. E será que os meninos de óculos de armação dura, camisa xadrex e tênis all star que assistem Akira Kurosawa nunca vão se misturar com os que calçam nike, usam correntes no pescoço e se divertem com "American Pie".

Nossa infância foi agraciada com as pérolas de Macaulay Culkin, com os musicais da Disney, com as bobagens de Lesley Nilsen, com as façanhas de "JCVD". Há um brilho a mais na arte que faz nossa vida. Desde os solteirões até as lideres de torcida, desde os assassinos em série até os personagens dos filmes bíblicos. Nos vespertinos vícios regados à Sessão da Tarde fomos persuadidos a ir "De Volta para O Futuro", mas naquela época ninguém sabia se seria um acadêmico estilo documentário, ou um lutador de boxe estilo Rocky.

Se a minha vida fosse um filme? Gostaria muito de ser um "Poderoso Chefão", mas como meu estilo é mais suave poderia ser um sujeito normal caminhando nas ruas de São Paulo como um personagem dos mil documentários sobre a cidade. Se não me mudasse do litoral poderia ser um sujeito como naqueles filmes de surf em Malibu. Um dia já sonhei em ser um "Sherlock Holmes" ou fazer parte de uma "sociedade do anel", mas o máximo que consegui foi ser uma adaptação de um enredo do Woody Allen. Bem que poderia ser genial como Spielberg ou George Lucas, mas ainda não chegou minha hora. Desespero-me quando penso que minha vida soa à "Lavoura Arcaica", mas lembro que minha vida é urbana e não estou apaixonado por minha irmã. Nas metáforas possíveis sonho com "Dois Perdidos Numa Noite Suja". Quando vou aos bares penso um pouco no Exterminador saindo de moto após dizer "hasta la vista, baby". E tenho um pouco de medo de me transformar num nostalgico sartreano como Rémy em "As Invasões Bárbaras".

Vivo pela beleza crua de "Asas do Desejo" e pela esperança digna dos "Doutores da Alegria". As vezes me sinto num filme de Almodôvar, louco, desvairado. Mas relaxo, é só um filme dentro de um filme dentro de um filme dentro de um filme dentro de um filme dentro de um filme. Será que há continuação depois dos créditos? Se for um curta-metragem que seja muito intenso. Se for um filme japonês que eu tenha muita paciência. Só não quero viver nunca mais uma vida sem cores e uma trilha sonora com muitos acordes menores. Se tiver que enfrentar a solidão serei bravo como nas obras de Shakespeare e doce como nos trechos de Chaplin.

E você? Se a sua vida fosse um filme?


Mateus Moisés
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Comentários

  1. Eu devo ter errado a grafia de vários nomes de filmes, diretores e artistas.

    Terei o seu perdão, leitor?


    M.M.
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  2. Terá? Só trocou meses por anos, mas todo mundo troca meses por anos, não? =PPP
    Acho que se minha vida fosse um filme poderia ser qualquer um do Christophe Honoré. Mas isso é o que eu gostaria, provavelmente não seria =PP
    Lindo texto.

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    1. Meses por anos? Não entendi...

      Não conheço esse sujeito, mas o IMDB me deu algumas pistas.
      Nunca vi nenhum filme do sujeito.
      (Risos).

      Obrigado pelo elogio, Thiago.

      Abraço.

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    2. Esqueci de assinar...


      M.M.
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  3. Minha vida?
    5 filmes que eu seria se minha vida fosse um filme: Fale com Ela, de Pedro Almodovar; Dolls, de Takeshi Kitano; Quero Ser John Malkovich, de Spike Jonze; A Excêntrica Família de Antonia, de Marleen Gorris e Alice no País das Maravilhas, de Walt Disney. Acho que a lista pararia em apenas cinco.

    5 filmes que eu queria ser:
    O Baile, de Scola; Noites de Cabíria, de Fellini; Janela Indiscreta de Hitchcock; A Noviça Rebelde, de Robert Wise e Luzes da Ribalta, de Chaplin. Aliás esta lista seria imensa.

    5 filmes que eu acho que as pessoas acham que eu sou:
    Billy Eliot, ?; O Mágico de Oz, de Vitor Fleming; Cabaré, de Bob Fosse; Patch Adams, ? e De Olhos Bem Fechados, de Kubrick.

    Leandro Antonio
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    1. Gostei da tríade "filmes que eu seria se minha vida fosse um filme", "filmes que eu queria ser" e "filmes que eu acho que as pessoas acham que eu sou".

      Não vi metade deles, mas pelos que conheço posso ter certeza de que você é uma pessoa bem esquisita, o que me dá orgulho de ser seu amigo.
      (Risos).

      Abraço, Lê.


      M.M.
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    2. Eu me referia aos filmes que conheço...


      M.M.
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    3. Mateus, também tenho orgulho de ser seu amigo. Acredito que você em muitos momentos me faz achar que Cinderela em Paris cairia como uma luva em você, ou, Julieta dos Espíritos. E claro que como eu, você tem um Q de Cabaré, com pretensões a Luzes da Ribalta.

      Leandro Antonio
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      P.S.: Uma vez eu fiz destes testes do facebook para saber se você fosse um filme de Kubrick, qual filme você seria e deu: Laranja Mecânica. Achei perigoso e parei de responder testes do face.

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  4. Lindo, lindo texto.

    Posso, ao invés de falar de filmes, falar de personagens? Porque, se puder, a resposta está na ponta da língua. Eu sou (Noites de) Cabíria, para mim e para os outros. Realista por falta de opção, meio debochada, durona, desiludida do amor e do mundo, desconfiada dos bons sentimentos alheios. Talvez só falte o cinismo, o qual eu encontro em abundância em Scarlett O’Hara (E O Vento Levou). Ela é tão eu quanto Cabíria, mas o meu eu ideal, forte, determinado, carismático, sagaz. Posso ser um rascunho de Scarlett, mas sinto o sangue dela fervilhando em minhas veias.

    Agora falando da vida e de filmes: provavelmente eu cairia muito bem em algum filme do Elia Kazan, ou Se Meu Apartamento Falasse, se eu estiver num melhor humor. Meu maior medo seria certamente Desencanto, e meus valores morais seguiriam O Homem Que Não Vendeu Sua Alma na obstinação pra o que me é importante e a compreensão de The Bigamist para aquilo que ainda me é estranho. Eu gostaria de ter a poesia de qualquer filme do Wong Kar-Wai ou o realismo fantástico de Luna Papa, mas minha vida está mais pra um Medianeiras na banalidade e nos desencontros. O drama também seria nas cores fortes de Almodóvar, tendendo principalmente para um Mulheres a Beira de Um Ataque de Nervos, ou então um belíssimo Tudo Que o Céu Permite do Douglas Sirk. Mo final só desejo que minha vida seja bela e esperançosa como os filmes de Frank Capra, e com um final tão sábio quanto O Leopardo, embora melancólico.

    Escrevi pra cacete e só fui perceber agora, mas enfim, faz parte. Só reitero o que já disse: belíssimo texto.

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    1. Também gostaria de ter a poesia de Wong Kar Way, aliás as cores também.

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    2. Olá, Isabella.
      Obrigado pela visita e pelos reiterados elogios.

      Gostaria de dizer o mesmo da sua resposta: ótimo texto, ótimas referências e uma excelente fluidez.

      Acho que conheço menos da metade dos personagens e filmes que você citou, mas estamos aqui pra aprender. Um dia um chego lá.
      (Risos).

      Um beijo.


      M.M.
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