Lavoura Arcaica
Nome: Lavoura Arcaica
Diretor: Luiz Fernando Carvalho
Diretor: Luiz Fernando Carvalho
Ano: 2001
País: Brasil
País: Brasil
Elenco: Selton Mello, Raul Cortez, Juliana Carneiro da Cunha, Simone Spoladore, Leonardo Medeiros, Caio Blat
Prêmios: Melhor Atriz (Juliana) e Fotografia no Grande Prêmio BR de Cinema, Melhor Contribuição Artistica no Festival de Montreal, Melhor Filme, Ator (Selton), Atriz Coadjuvante (Juliana), Ator Coadjuvante (Leonardo) no Festival de Brasília, Prêmio do Público na Mostra, Melhor Filme, Diretor, Fotografia e Trilha Sonora no Festival de Cartagena, Prêmio Especial do Juri, Melhor Ator (Selton), Fotografia e Trilha no Festival de Havana, Melhor Filme pelo Juri Internacional no Festival de Guadalajara e Prêmio ADF de Fotografia, Público, Kodak e Menção Honrosa a Luiz F. Carvalho no Festival Buenos Aires de Cinema Independente.
Para marcar essa postagem histórica está em pauta um filme muito especial que tornou-se uma obsessão para mim. A insegurança, o mal estar, que tive para construir esse texto expressa a paixão que tenho por esse filme. Inicialmente desejava, ao mesmo tempo, constituir um texto completamente referencial e embasado no vasto material produzido sobre a obra e produzir um comentário com traços acadêmicos. Por um lado, pensava em proporcionar uma leitura sobre como esse filme dialoga com seu tempo, por outro, atender a necessidade que criei de sistematizar a obra de Raduan Nassar, alvo das minhas preocupações acadêmicas na Universidade de São Paulo. Acontece que cheguei a conclusão que essa neurose pela totalidade deveria ser deixada de lado e que poderia concentrar minha atenção na possibilidade do texto livre, abandonando qualquer pretensão de rigor acadêmico diante do texto.
Mas o que há de leve em Lavoura Arcaica? Provavelmente nada. O filme trata de como estamos universalmente presos à condição humana. Uma danação, um delírio, que subjaz a constituição do humano. O filme nos coloca a luta do personagem André para encontrar sua verdade e escancará-la pelo mundo. Acontece que na busca de André é possível ver a gana por uma reorientação moral, por uma suspensão dos valores que o esmaga. Aponta um início para o que pode ser a superação do peso de milênios de formulação púdica, irreal e infeliz, por uma leveza possível mesmo diante das "escrotas contradições" da nossa demasiada humanidade.
Lavoura Arcaica é uma ilustre ironia a ser postada nesta data (dia dos pais). Essa tragédia é nada menos que o repúdio a lei ancestral simbolizada na figura do pai. Não é necessário arriscar o que vence na trama, se a tradição ou a liberdade. É preciso ver nessa obra a complicada enrascada em que entramos ao nascer e que desdobramentos ela pode ter.
O filme tem uma trama fiel ao livro. Alias, o próprio Raduan participou das pesquisas para a realização do filme (detalhes sobre esse trabalho poderão ser encontrados no documentário Que Teus Olhos Sejam Atendidos). Sob a égide do tempo a tradição e a liberdade se digladiam formulando a composição do sujeito. A trama é composta de simbolismos universais. A mesa de jantar é o palco dos sermões e onde está fixada a hierarquia funesta da família. O pai é aquele encarregado de transferir para as gerações futuras a lei ancestral do avô (maktub). A mãe é aquela encarregada pela ruptura, pelo descontrole através da erogenização da prole. Pedro, Rosa, Zuleica e Huda são o tronco firme e possível para a lei da lavoura. André, Ana e Lula são a demonização da educação arcaica.
O sentir de André corrompe toda fundação da ordem maior. É como se ele pudesse sentir que há algo muito errado na família. Ela é o palco absurdo da primeira vida do ser. A paixão de André por Ana é uma representação narcisista da busca eterna pelo ser perdido ao acessarmos o campo da cultura. O incesto pode representar a busca frustrada pela nossa essência para sempre perdida. "A impaciência também tem os seus direitos"! André poderá ser seu próprio deus, poderá ser deus. Domina a si mesmo com sua própria lei. É o simbolismo para a cura da sociedade medicalizada e morbidamente edificada sobre valores morais que negam o desejo humano.
Podemos então passar o resto de nossas vidas infelizes por não conquistarmos a identidade que queremos ou sucumbir a hybris, a desmedida, ou há algum espírito dionisíaco capaz de realizar a ruptura e dar continuidade ao movimento histórica da nossa vida, o movimento da história maior. Talvez aqui haja algum projeto de educação possível, um glorioso triunfo da transgressão humana sobre a irônica moralidade sádica e tediosa. Que efeitos são estes das nossas ambições?
Mateus Moisés
Prêmios: Melhor Atriz (Juliana) e Fotografia no Grande Prêmio BR de Cinema, Melhor Contribuição Artistica no Festival de Montreal, Melhor Filme, Ator (Selton), Atriz Coadjuvante (Juliana), Ator Coadjuvante (Leonardo) no Festival de Brasília, Prêmio do Público na Mostra, Melhor Filme, Diretor, Fotografia e Trilha Sonora no Festival de Cartagena, Prêmio Especial do Juri, Melhor Ator (Selton), Fotografia e Trilha no Festival de Havana, Melhor Filme pelo Juri Internacional no Festival de Guadalajara e Prêmio ADF de Fotografia, Público, Kodak e Menção Honrosa a Luiz F. Carvalho no Festival Buenos Aires de Cinema Independente.
Tempo, a lavoura, meu tempo, o ser, nosso tempo
Assumi junto aos meus companheiros do Sessões a tarefa de realizar a 300ª postagem do blog a que se destina este artigo. Com essa postagem encerra-se um ciclo enquanto outro se abre. Passamos sutilmente de um grupo de pessoas interessadas em cinema que tinham a intenção de manter um blog como distração cotidiana para um conjunto de caras que estão envolvidos direta ou indiretamente com cinema e arte. Essa transformação é bem singela mas tem alguma relevância. Ela se manifesta na constância do material produzido pelo blog, no grupo de seguidores que acompanham nosso trabalho e principalmente, na liberdade que conquistamos para falar de cinema, mesmo que informalmente. Passamos de uma fase de completo amadorismo para uma outra de amadorismo relativo. Essas circunstâncias revelam as possibilidades que estão a nosso alcance e os desafios que a nossa crítica haverá de enfrentar.
Para marcar essa postagem histórica está em pauta um filme muito especial que tornou-se uma obsessão para mim. A insegurança, o mal estar, que tive para construir esse texto expressa a paixão que tenho por esse filme. Inicialmente desejava, ao mesmo tempo, constituir um texto completamente referencial e embasado no vasto material produzido sobre a obra e produzir um comentário com traços acadêmicos. Por um lado, pensava em proporcionar uma leitura sobre como esse filme dialoga com seu tempo, por outro, atender a necessidade que criei de sistematizar a obra de Raduan Nassar, alvo das minhas preocupações acadêmicas na Universidade de São Paulo. Acontece que cheguei a conclusão que essa neurose pela totalidade deveria ser deixada de lado e que poderia concentrar minha atenção na possibilidade do texto livre, abandonando qualquer pretensão de rigor acadêmico diante do texto.
Conheci Lavoura Arcaica em 2009 por indicação do sócio fundador Leandro Antonio. Já tinha ouvido falar do filme por alguém que falava de um amigo que havia decorado as falas do filme e ficava repetindo junto a trilha sonora do mesmo (outro obsessivo). Desde que assisti a essa produção pela primeira vez me tornei um verdadeiro obcecado pela produção do Raduan. Hoje, já li mais de uma vez todos os livros do autor, críticas de cinema, de literatura, etc. O filme transforma um texto poderoso em uma obra de cinema magistral. O que pretendo aqui é realizar uma pequena viagem sobre a formação simbólica do nosso imaginário através do tempo. E assim compomos um circuito de subjetividade que nos permite a cultura.
Ontem tive a oportunidade de assistir a uma peça maravilhosa de nome Donka - Uma Carta a Tchekhov no Sesc Santos. O espetáculo sinaliza como este autor percebe leveza nos temas mais sórdidos e complicados. E é impressionante quando uma obra de arte é capaz de nos fazer compreender sem grande esforço, ou fundamentação teórica, o espírito do tempo, a força da subjetividade e a mágica de estar vivo. Há uma leveza maravilhosa na vida, na natureza. Há uma doçura fundamental nos nossos olhos sobre o mundo. E é assim que podemos fazer do nosso tempo um campo de ternura e realizações. Ver arte no mundo, contemplar a beleza das coisas pode ser um exercício de existência.
Ontem tive a oportunidade de assistir a uma peça maravilhosa de nome Donka - Uma Carta a Tchekhov no Sesc Santos. O espetáculo sinaliza como este autor percebe leveza nos temas mais sórdidos e complicados. E é impressionante quando uma obra de arte é capaz de nos fazer compreender sem grande esforço, ou fundamentação teórica, o espírito do tempo, a força da subjetividade e a mágica de estar vivo. Há uma leveza maravilhosa na vida, na natureza. Há uma doçura fundamental nos nossos olhos sobre o mundo. E é assim que podemos fazer do nosso tempo um campo de ternura e realizações. Ver arte no mundo, contemplar a beleza das coisas pode ser um exercício de existência.
Mas o que há de leve em Lavoura Arcaica? Provavelmente nada. O filme trata de como estamos universalmente presos à condição humana. Uma danação, um delírio, que subjaz a constituição do humano. O filme nos coloca a luta do personagem André para encontrar sua verdade e escancará-la pelo mundo. Acontece que na busca de André é possível ver a gana por uma reorientação moral, por uma suspensão dos valores que o esmaga. Aponta um início para o que pode ser a superação do peso de milênios de formulação púdica, irreal e infeliz, por uma leveza possível mesmo diante das "escrotas contradições" da nossa demasiada humanidade.
Lavoura Arcaica é uma ilustre ironia a ser postada nesta data (dia dos pais). Essa tragédia é nada menos que o repúdio a lei ancestral simbolizada na figura do pai. Não é necessário arriscar o que vence na trama, se a tradição ou a liberdade. É preciso ver nessa obra a complicada enrascada em que entramos ao nascer e que desdobramentos ela pode ter.
O filme tem uma trama fiel ao livro. Alias, o próprio Raduan participou das pesquisas para a realização do filme (detalhes sobre esse trabalho poderão ser encontrados no documentário Que Teus Olhos Sejam Atendidos). Sob a égide do tempo a tradição e a liberdade se digladiam formulando a composição do sujeito. A trama é composta de simbolismos universais. A mesa de jantar é o palco dos sermões e onde está fixada a hierarquia funesta da família. O pai é aquele encarregado de transferir para as gerações futuras a lei ancestral do avô (maktub). A mãe é aquela encarregada pela ruptura, pelo descontrole através da erogenização da prole. Pedro, Rosa, Zuleica e Huda são o tronco firme e possível para a lei da lavoura. André, Ana e Lula são a demonização da educação arcaica.
O sentir de André corrompe toda fundação da ordem maior. É como se ele pudesse sentir que há algo muito errado na família. Ela é o palco absurdo da primeira vida do ser. A paixão de André por Ana é uma representação narcisista da busca eterna pelo ser perdido ao acessarmos o campo da cultura. O incesto pode representar a busca frustrada pela nossa essência para sempre perdida. "A impaciência também tem os seus direitos"! André poderá ser seu próprio deus, poderá ser deus. Domina a si mesmo com sua própria lei. É o simbolismo para a cura da sociedade medicalizada e morbidamente edificada sobre valores morais que negam o desejo humano.
Podemos então passar o resto de nossas vidas infelizes por não conquistarmos a identidade que queremos ou sucumbir a hybris, a desmedida, ou há algum espírito dionisíaco capaz de realizar a ruptura e dar continuidade ao movimento histórica da nossa vida, o movimento da história maior. Talvez aqui haja algum projeto de educação possível, um glorioso triunfo da transgressão humana sobre a irônica moralidade sádica e tediosa. Que efeitos são estes das nossas ambições?
Lavoura Arcaica é uma obra-prima sobre uma obra-prima. Livro e filme são impecáveis. Luiz Fernando Carvalho nos coloca no universo absoluto e absurdo da família. Com sons e cores e um amarelo barro o filme nos proporciona um delírio estético. Tudo nesse filme tem um sentido que pode ser percebido com os olhos, com os ouvidos e com a mente. Uma brilhante obra para abrir o cinema brasileiro no século XXI.
Mateus Moisés
Sessões
300. Quem diria que chegariamos a tanto. Não passava de uma brincadeira, uma bobagem, um passa-tempo. Tomou força, caminhou com passos modestos, mas sempre de cabeça erguida e sempre buscando em nossos textos expressar a intensidade com que amamos essa bagaça que chamamos de cinema.
ResponderExcluirDe mais um blog nesse universo on-line, o Sessões tem hoje um público fiel e interessado - e melhor - qualificado. Não seremos o maior, mas seremos sempre diferentes na abordagem. Não temos a pretenção crítica, mas queremos ir além da pseudo-cinefilia que tanto vemos por aí.
Entrevistas, dossiês, ensaios, documentários, curtas e longas. Essa longa estrada aonde chegamos é únicamente verdadeira pois amamos o que fazemos e prezamos por nossa amizade. Amizade que já teria sido dissipada caso não existisse o Sessões.
A escolha de "Lavoura Arcaica" nessa data tão importante para nós é por conta que nela vemos o melhor que nosso cinema já fez. O auge está aí. E prezadores do cinema tupiniquim que somos, não poderiamos deixar para lá. Mateus, seu texto é lindo e cheio de intensidade, assim como é o Sessões. Obrigado por nos proporcionar mais um ótimo texto.
Amigos, Paulo, Fernando, Mateus, José Carlos e Leandro, obrigado por cada post que o Sessões colocou no ar nesses quase 3 anos de atividade. Que venham mais 300...
Mais sobre o filme, direi em outro comentário posterior.
Vitor Stefano
Sessões
Ao que estamos condenados, qual é o espaço para as escolhas, de onde vem o desejo. É a danação que o Mateus falou.
ResponderExcluirLeandro Antonio
Sessões
muito bom gostei
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