Amor?

Nome Original: Amor?
Direção: João Jardim
Ano: 2010
Elenco: Lília Cabral, Eduardo Moscovis, Letícia Colin, Claudio Jaborandy, Silvia Lourenço, Fabiula Nascimento, Mariana Lima, Ângelo Antônio e Julia Lemmertz.
Prêmios: Prêmio do Júri Popular e do Prêmio Vagalume no Festival de Brasília.
Amor? (2011) on IMDb


Não sei o que acontece comigo. Parece algo instintivo, pactual, uma loucura mesmo, mas não dá para controlar. Vem lá de dentro sem pedir permissão e já estoura no meu peito e minha mente fica totalmente atordoada e refém dessa angústia de não querer e querer tudo ao mesmo tempo. Quero dominá-la, querê-la, devorá-la. Só consigo pensar em acabar com ela para mostrar o quanto eu a quero. Quero tanto que não controlo minha força, já não sei como é isso. Minha vida virou de cabeça pra baixo. Só por causa de uma ou outra provocação eu já estouro. Já quero descontar toda minha prepotência aliada à vida pacífica e mentirosa que levo. Eu vou confessar: só com sexo ou pó é que eu consigo relaxar e manter-me no meu mundo. Talvez seja outro mundo, mas lá eu sou calmo e minha paixão torna-se algo belo e puro. Lá eu a amo. Fora eu a matarei de amor. Amor?


Relatos, histórias, verdades escandalosas escancaradas na tela. João Jardim faz “Amor?” numa linguagem moderna do documentário, que o Brasil vem explorando muito: o documentário ficcional. Assim como em “Jogo de Cena” de Coutinho, os atores interpretam relatos verdadeiros sobre o amor e a violência e discorrem sobre o limiar entre essas duas vertentes. O ciúme e a possessão podem ser relacionados com ambos. Aqui, ambos existiram e são encarados como corriqueiros na vida real.Laura, Fernando, Carol, Paulo, Julia, Claudia, Lineu e Alice explanam porque resistiram ou desistiram de um amor agressivo.

O distanciamento da verdade por vermos atores interpretando, deixam os momentos tensos mais calmos e, por vezes, dão margem até a acharmos graça da desgraça alheia. Talvez esse distanciamento seja a grande idéia do filme, mas acredito que nem todo público esteja preparado para gostar e apreciar esse modelo. Apresentados um a um, as histórias são documentadas e apresentadas explorando a filosofia sobre o amor de cada um. Independente de classe, cor ou credo, as histórias relatam um mal que só cresce. A violência caseira à mulher tem números alarmantes e com cada vez mais ocorrências. Mas o filme não trata exatamente da violência caseira, tendo nela apenas uma base. O que realmente é explorado é a moral e como a mente humana mente para si própria. A desconstrução do homem, nos relatos de Eduardo Moscovis, Ângelo Antônio e Cláudio Jaborandy são as mais impactantes do filme por descrever as atitudes e como tudo aconteceu. Ver o lado das mulheres, aparentemente, é mais fácil, porém o do homem é devastador. Grandes atuações dos três atores com histórias emocionantes.


As mulheres retratadas no filme têm impacto do amor como sentimento puro. A palavra é pura. O que é o amor? Elas querem mesmo é saber até onde o amor é doença ou obsessão. Perguntas sem respostas. Destaque para a história contada por Fabíula Nascimento e Silvia Lourenço, ambas com a mesma personagem, num monólogo intenso entrecortado entre as atrizes, com emoções, descaso e paixão de um relacionamento lésbico. Entre um relato e outro, imagens casuais, um vídeo antigo, um abraço afagoso, uma relação sexual desinibida que deixa o público preso à cadeira demonstram o quanto o amor pode ser vivido sem desrespeito. A trilha sonora nos intervalos dos depoimentos sob a batuta do grande Lenine e de seu filho Bruno Giorgi, interpretando 4 clássicos de amor de forma instrumental, ilustrando as 8 histórias desse sentimento incoerente. Podemos ouvir “Carinhoso”, “Beatriz”, “Ainda é cedo” e a “Hoje eu quero sair só” para acalmar a dureza da realidade. Grande trilha para um filme experimental, real e impessoal. João Jardim depois de “Lixo Extraordinário”, vai além, integrando ficção e documentário com um tema duro e complexo, porém com a leveza que só a “mentira” que ótimas atuações pode trazer. Nem todos os depoimentos funcionam na tela, mas o conjunto é interessante e intriga até os maiores (e mais violentos) amores. Afinal, de amor todos conhecem.

Vitor Stefano
Sessões

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