O Nome da Rosa: A História da Educação e do Pensamento na Idade Média
Nome Original: Der Name der Rose
Diretor: Jean-Jacques Annaud
Ano: 1986
País: França, Itália, Alemanha
Elenco: Sean Connery, Christian Slater, F. Murray Abraham, Elya Baskin
Prêmios: Bafta de Melhor Maquiagem e Ator (Sean Connery), César de Melhor Filme Estrangeiro, David di Donatello de Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Produção e Melhor Cenografia.
Baseado no romance homônimo do italiano Umberto Eco, o longa-metragem “O Nome da Rosa” (1986), através de uma atmosfera de mistério e suspense, promove uma visão crítica das configurações religiosas e sociais da baixa Idade Média. A atmosfera cinematográfica revela a intenção da produção lançando mão de uma história investigativa envolvendo a obscura morte de sete monges em sete dias, gerando imagens sombrias através de uma fotografia mórbida, escura, reforçando o imaginário que compõe o período como “Idade das Trevas”. O enredo desenvolve-se gradualmente até o desvendamento do mistério das mortes.
A história de ficção situa-se no século XIV num mosteiro beneditino onde hoje se localiza o norte da Itália. O ambiente é característico da era medieval, com a predominância da ordem religiosa, omissão da participação do povo nos processos de decisão, discussão e educação. Essa tendência de domínio da Igreja que contamina o enredo do filme neste período já se encontrava em declínio a favor do surgimento das idéias renascentistas, humanistas. As missas são rezadas em latim, a instituição da Inquisição tem força determinante, há o prevalecimento da crença, da fé, condena-se o pecado, o desvio, a heresia: esses elementos tornam explícito o caráter ainda dogmático que permeia a trama.
Era restrito o acesso aos livros, o acervo do mosteiro era freqüentado por um seleto grupo. Aristóteles, em especial os fragmentos de sua Poética, que trata de poesia e arte, gera polêmica tornando-se leitura proibida, mundana, herética. Seu pensamento estabelece conceitos de imitação e catarse, acentuando o valor do riso, no contexto do filme. Essa noção choca-se com a vida regular realizada pelos monges que na abadia em questão são ainda proibidos de sorrir. As premissas defendidas por Willian de Baskerville, frade franciscano encarregado da investigação das mortes, têm fundamento no pensamento aristotélico. Recorrem à indução, a racionalidade, para a solução de problemas em oposição à maneira religiosa que propõe uma explicação através da particularidade das escrituras.
Tinham acesso garantido a esse conhecimento restrito os copistas, incumbidos de transcrever as mais diversas obras. Havia também o trabalho de tradução de textos, muitos deles do grego para o latim. Esses religiosos eram o canal de transmissão da cultura, multiplicavam o conhecimento dentro dos meios restritos, perpetuavam muitas obras através da escrita. Muitas obras gregas eram proibidas, poucos ousavam traduzi-las para o latim. O significado dessas proibições reside na autoridade da Igreja que procura perpetuar sua posição social e política, sua palavra, seus dogmas. A natureza diante da luz da lógica, da dúvida, da filosofia, perde sua caracterização mítica, ausenta-se o temor, e “não pode haver fé sem temor”. Radicalizando, com o uso dos princípios racionais pode-se concluir na inexistência de um Deus, causando um abalo, uma mutação capaz de gerar conflitos que a Igreja busca abafar avidamente.
Há no enredo uma dialética, uma tensão entre concepções de mundo antagônicas. De um lado coloca-se a explicação da natureza pela analogia, baseando-se na fé. Uma mentalidade conservadora busca respostas nas escrituras sagradas, no sobrenatural. De outro lado se vê um pensamento positivo, racional, buscando explicações na natureza, acompanhando o progresso do conhecimento. Esse conflito representa em termos gerais a transição entre o pensamento medieval e as idéias renascentistas, é a gênese do humanismo, da revalorização das idéias dos gregos.
Adso de Melk é um noviço que através de uma experiência empírica, juntamente com seu tutor, experimenta a aplicação do conhecimento diretamente na realidade, nas situações problemáticas. Na Idade Média européia a Igreja Católica era a monopolizadora da educação. O estudo e a instrução eram exclusivos das ordens religiosas, dos monastérios. Se um jovem desejava dedicar-se ao conhecimento o único meio a recorrer era a Igreja. É digno citar que a filosofia medieval é consideravelmente representada por grandes pensadores no ceio do cristianismo. Os pensadores desse tempo buscam, à luz das idéias gregas, coerência no ensinamento e nas práticas religiosas. Pode-se citar também a Escolástica, corrente filosófica encarregada da efetivação da fé através de uma validação racional.
É possível perceber o poderio da instituição da Inquisição, filtrando e podando o acesso aos livros e ao conhecimento. Ela figura como instância maior, determinante, temível. É capaz de condenar e reprimir qualquer manifestação contrária ou estranha aos interesses da Igreja. Representa um poder autoritário e arbitrário que no filme fica explícito quando há a intenção de expulsar os franciscanos por renunciarem ao luxo e a riqueza, por seu desprendimento dos bens materiais, sua humildade. Aqueles que julgam desconsideram a livre interpretação da Bíblia e manipulam as palavras sagradas e os conceitos em favor da manutenção de uma corja aristocrática nos altos cargos da Igreja. Os representantes dos mosteiros locais confundem-se e se submetem aos “caprichos” da Inquisição.
O povo é completamente sujeito ao jugo dos inquisidores, não tem vontade própria, não tem participação nem voz diante dos processos de decisão, não tem acesso à cultura, ao livro, pois a maioria da população permanece alheia à influência dos livros, a maioria iletrada é facilmente manipulada. Fatos que comprovam essa dominação e manipulação são as cruzadas que se valem da fé do gentio para buscar interesses econômicos e políticos.
No filme é inegável a redução da mulher, a demonização de seu caráter. Os religiosos relacionam a mulher diretamente ao desejo carnal, à provocação. É considerada naturalmente perversa, vil, malévola, capaz de provocar a tentação do homem. Esses motivos levam diversas mulheres à fogueira pela Inquisição na era medieval, acusadas dos mais diversos crimes contra a fé.
Desta adaptação do livro publicado em 1980 pode-se extrair uma gama de demonstrações do domínio que a Igreja praticou durante a Idade Média. O cristianismo garante a exclusão da massa e a perpetuação do estado de pobreza, feudal. Garante repressão sexual, social e política. Esta situação histórica seria posteriormente contestada com a Reforma, com o humanismo e o ressurgimento da vida urbana. Em certa medida, as idéias que se chocam com a Igreja acabam por prevalecer e proporcionar o lento declínio da ordem feudal. No entanto, é imensurável a capacidade opressiva da Igreja no período, o que possibilitou sua efetividade e plenitude, garantindo seus interesses econômicos, políticos e sociais. A educação que se pratica neste tempo é completamente restrita e tendenciosa. A Idade Média é dominada pela ordem cristã, não se encontra nela ambiente democrático.
Mateus Moisés
Sessões
Mudam-se os atores e os cenários, mas os personagens e os filmes se repetem. Demonização da mulher? População iletrada e sem acesso aos livros? Século 21? Fico imaginando alguém descrevendo o nosso tempo daqui há centenas de anos e só consio entender que mais repetições se construirão.
ResponderExcluirSó tenho um pedido e uma prece: Que o gentio não perca a fé. Até a luz do poste é sagrada dependendo do sagrado que cada um carrega.
Leandro Antonio
Sessões