O Espelho



Nome original: Zerkalo
Diretor: Andrei Tarkovsky
Ano: 1975
País: Ex-URSS
Elenco: Margarita Terekhova, Oleg Yankovskiy, Filipp Yankovskiy, Ignat Daniltsev, Nikolai Grinko.
Sem Prêmios
O Espelho (1975) on IMDb

O espelho, não o filme, mas o objeto físico sempre me intrigou.
Acho simbólico o lance de se olhar em um plano e se ver refletido ao contrário. É como se o espelho mostrasse o outro lado das pessoas. Se há verdade em nossos rostos, o dito mostrará a mentira; se alegria, tristeza; se luz,a escuridão; a mão esquerda,a direita refletida.De modo que,de certa forma,ele me remete para o transcendente,aquele oceano abismal da inconsciência em que nada é muito lógico e,ainda sim,ou talvez por isso mesmo,quintessencial.

É de fenômenos sutis que trata o filme de Tarkovsky.Muito do que há nele não é tocável;só sentido.É como se desmanchasse no ar e permanecesse só as imagens que pela beleza encantam e nos fazem pensar quão distante os sentimentos humanos podem ir ou que profundidade podem eles alcançar.

Há uma anedota que merece ser contada por ser significativa e, além de tudo, curta, já que os adoradores da superfície preterem a complexidade das coisas pela brevidade do texto.

Pois bem, satisfaçam - se!

Conta a lenda que após ter sido lançado,em 1975 na URSS, o espelho (em russo
3 E P K A /\ O) foi mostrado para uma dúzia de críticos famosos que ficaram na sala após a exibição,argumentando a fim de estabelecer alguma noção sobre o filme,procurar-lhe o sentido “escondido”,a sua significação.Estavam nisso,até que veio a moça da limpeza,um tanto exasperada porque a discussão não parecia querer acabar e perguntou-lhes por quanto tempo mais deveria ela esperar até que eles chegassem a um acordo.Os críticos redargüiram que estavam debatendo sobre um filme complexo e muito complicado ao que seguiu o comentário da moça da limpeza.” O que tem nesse filme que vocês não entenderam?” e continuou “eu vi e entendi tudinho!!!”.
Os críticos entreolharam-se e deram, de soslaio,um riso com os olhos após ter sido convidada a explicar disse:”-Trata-se de um homem que causou muita dor em quem amava e por quem era amado e agora está morrendo e tentando pedir perdão só que não sabe como.” O diretor de solaris,o sacríficio e Nostalgia disse que à essa resposta não possuía mais nada que acrescentar.

Com efeito, eu tendo a fechar com a moça da limpeza. Da primeira vez que assisti ao filme me pareceu aqueles flashes imagéticos que passam na nossa cabeça antes de morrer ou quando se atravessa por grandes perigos na vida.A despeito disso,o filme é muito mais.
Aborda a temática da autobiografia, a passagem do tempo – dividido em seus pródigos passado, presente e futuro, amor, memória, culpa, loucura, guerras, poesia, infância, reminiscências Acaba se tornando um mosaico das perfeições e imperfeições dos homens.

Tarkovsky é um homem preocupado com os problemas de inerência humana, as injunções do eu.Parece querer com seus filmes,descascar camada por camada,toda a coleção de peles,as quais se avolumam ao redor da vida humana tirando-lhe tudo que é secundário e artificial para deixar somente aquilo que é essencial e natural.Isso faz com que,em busca de uma profundidade psicológica,o espectador fique preso em estruturas complexas criadas para refletir um motivo interior.Talvez com O Espelho quisesse procurar o “eu por detrás de mim” que Guimarães Rosa comenta no conto de Primeiras estórias.

Seja como for, não nos foi concedido seja pela natureza,seja pela providência, entender tudo, porque nem tudo é inteligível, às vezes a vida é meio um espelho quebrado que só lembraremos já velhos, mas que também traz a certeza de que não estivemos aqui por acaso.

Fernando Moreira dos Santos

Sessões

Comentários

  1. Olhar no espelho e ver o passado. Tentar mudá-lo não é mais possível. Tentar apagar um mal entendido. Fazer seu filho pagar pelos seus pecados e culpas que você deixou. Relembrar, tentar reviver passos é o pior modo de não olhar para frente e não seguir a vida. Uma vida vivida na marcha ré. Tarkovsky põe em jogo de modo muito peculiar esses e outros problemas nessa obra intimista.

    Os detalhes, a montagem, os cortes entre épocas e cenários, todo o simbologismo da guerra, as mudanças de a cores para branco e preto mostram de onde David Lynch se inspirou. Só pode ter sido com o soviético Tarkovsky. Se Lynch fosse mais velho, certamente diria que 'O Espelho' teria várias inspirações em por exemplo 'Cidade dos Sonhos' (não temática, mas de montagem).

    De gênio e de louco todo mundo tem um pouco, e esse chavão se encaixa bem aqui. É um filme muito complexo e de uma sensibilidade incrível. Há momentos sublimes com a trilha sonora perfeita, o barulho do sopro do vento, o olhar perdido em meio ao campo vazio, um pássaro que pousa em sua cabeça, mostrando que a natureza tem papel decisivo em nossas vidas. O ser humano só existe pois tudo ao nosso redor existe, e que haja fé para sobrevivermos eternamente. 'O Espelho' é obra necessária para tentar entender a profundidade da existência do eu e o sentido de raizes que criamos com o nosso passado e não nos deixa alçar vôo. Ótima escolha Fê e certamente procurarei mais sobre o genial Andrei Tarkovsky.

    Vitor Stefano
    Sessões

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