Sessões Dupla: The Square e Eu sou o Povo



Nome original: Al Midan / Je suis le peuple
Ano: 2013 / 2015
Diretoras: Jehane Noujaim / Anna Roussillon
País : Egito / França
Elenco: Ahmed Hassan e Farraj
Prêmios: Prêmio da Anistia Internacional no Festival de Berlim / Golden Firebird Award de documentário no Festival de Hong Kong
Je suis le peuple (2014) on IMDb 

Ao ver de fora e de longe, as primeiras imagens que vem à cabeça quando se pensa no Egito são pirâmides, faraós, desertos e o maior rio do mundo. Uma visão mais contemporânea desse importante país africano pode mostrar que os estereótipos ficam bem longe quando o assunto é Egito atual. Você pode atestar isso assistindo "The square" e "Eu sou o povo".

"The Square", remete aos acontecimentos que incendiaram todo o norte da África conhecido por primavera árabe. Um conjunto de revoltas de rua que exigiam mudanças radicais no sistema político. A explosiva equação social que explica a explosão popular contra o governo passa por altos índices de desemprego, boa escolaridade dos jovens, regime político fechado, facilidade de obtenção de informações e repressão policial à qualquer oposição ao governo. O estopim da primavera árabe não se deu no Egito, ocorreu na Tunísia, em 2011, quando o jovem Mohammed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo em protesto à ação policial que o impedira de comercializar verduras na vila por falta de licença; ele tinha formação técnica e estava desempregado. A chama que Bouazizi acendeu incendiou todo o norte da África e chegou ao Egito.

Símbolo máximo da rebelião foi a praça Tahir onde os manifestantes se reuniram não só para protestar e exigir a queda do governo de Hosni Mubarak, que presidia o país desde 1981, mas também para cuidar uns dos outros uma vez que a repressão estava presente e pronta para atuar. No começo a força política predominante é a corrente laica que pedia uma constituinte com direitos e garantias individuais. Aos poucos vemos o ascenso da corrente religiosa da irmandade muçulmana irrompendo e dividindo o movimento e por fim o exército que depois das eleições de Mohammed Mursi o retira e assume o controle do país. Um das melhores coisas do The Square é a fala de Ahmed Hassan sobre o significado da revolução. Diz ele que a fim da revolução foi introduzir uma cultura de protesto. A direção é de Jehane Noujaim uma entusiasta da união dos povos fundadora do Pangea Day.




Já "Eu sou o povo" da diretora Anna Roussillon, libanesa, criada no Egito e formada na França, mostra a perspectiva dos egípcios que assistiram aos acontecimentos na praça Tahir pela TV. Abrange também todo as fases da revolução, só que foca nas esperanças e desilusões de um povo pobre, camponês e distante do epicentro das mudanças políticas que ocorriam no Cairo. Aqui Raffaj o camponês pobre que cuida da terra e tenta alimentar sua família de 4 filhos, sendo um recém nascido, se empolga com as mudanças que vão acontecendo, participa através das eleições, vota em Mohammed Mursi mesmo ele sendo apoiado pela Irmandade muçulmana e se decepciona com ele quando adota medidas reacionárias. O momento mais interessante é o do debate entre a diretora e Raffaj que se irrita com o conceito de democracia que ela tenta conceituar e que para ele não existe. A democracia em ultima instância também quer dizer só interesse e pouca justiça. Que tipo de democracia pode apoiar ditaduras em troca de petróleo? É fácil o ocidente querer dar lições de democracia ao Egito quando apoiam regimes tão distantes da liberdade. Em suma, Raffaj está querendo dizer que democracia é uma palavra polissêmica que serve a um discurso político que se quer bom, porém eivado de interesses escusos dentro dele. Em que pese a pobreza que fica clara no documentário, há vários momentos de alegria, as crianças brincando nas ruas, as reflexões sobre política e deus e etc; isso é importante porque quebra um pouco a ideia de que a tristeza reina junto com a pobreza. E as benesses da revolução não chegou, pelo menos por enquanto, a esse povoado.

 


Achei esses dois documentários tão bonitos e ao mesmo tempo perturbadores que não pude deixar de escrever sobre eles.

Fernando Moreira dos Santos
Sessões

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