Visão qualificada de cinéfilos marginais buscando uma análise crítica, ácida e filosófica sobre a 7ª arte, do contemporâneo ao clássico não necessariamente nesta ordem.
Nome Original: Chung Kuo, Cina
Ano: 1972
Diretor: Michelangelo Antonioni
País:Itália
Elenco: Giuseppe Rinaldi
Sem Prêmio
Chung Kuo, é um documentário de Michelangelo Antonioni produzido a
pedido do grande timoneiro, líder supremo e luz eterna do universo Mao tsé Tung
ao cineasta italiano em 1972.
A primeira coisa que me veio à cabeça durante todo o filme (3h 30 de
duração divididas em 3 partes) é que o filme poderia ter sido mais um
instrumento de propaganda do regime, mas do ponto de vista político ele é
extremamente objetivo. Claro que, a imparcialidade plena só seria possível com
a câmera desligada, mas Antonioni consegue mostrar as várias facetas deste
grande país sem necessariamente fazer uma apologia infantil do sistema
comunista chinês retratando – o como a panaceia para todos os males da
humanidade como de vez em quando a gente vê por aí.
Aliás isso fica claro logo de saída quando percebemos que o protagonista
principal não será os grandes filósofos de antes de Cristo, nem os imperadores
das dinastias do século XIX, nem as grandes personalidades do século XX que
lideraram as transformações radicais deste milenar país. A personagem principal
deste documentário é o povo chinês.
Dividido em três partes, o documentário faz um apanhado fiel do
cotidiano dos chineses em todas suas dimensões. Somos levados às indústrias de
tecelagem de Pequim em que os trabalhadores ditam os rumos da produção, sem
patrões, o que há são técnicos do partido organizando os processos. Também
vemos os parques com idosos em seus movimentos vagarosos de tai chi chuan, as
crianças na escola encenando apresentações artísticas cujas canções narram os feitos
do grande líder. E sobra espaço até para uma cena surreal de uma chinesa sendo
anestesiada com as finas agulhas da acupuntura antes de se iniciar a cesariana,
durante a operação ela ri, come frutas, é escalpada e conversa com a equipe
italiana.
De igual modo, se contrapondo à China urbana, conhecemos também às
populações do extremo rural, a velha china camponesa e pobre em que muitos dos
retratados jamais viram ou tiveram contato com o homem ocidental e isso fica
claro nas imagens e na hostilidade/medo/timidez do povo às lentes da câmera. Notamos
também uma velhinha caminhando com dificuldade pelas ruas de pedra em virtude, de
na adolescência, ter sido vítima da tradição do “pé de lótus”. A terrível
técnica de amarrar os pés das meninas a partir dos 6 anos de idade de modo a
que eles não cresçam normalmente. A finalidade disso era agradar aos homens, na
prática fortalecia o papel social de submissão da mulher ao homem.Neste ponto o documentário se aproxima de um experimento antropológico.
A China de 1972, é a China que ainda sente ou se ressente do peso da
revolução cultural que instalou o caos na sociedade e a manteve sob o controle
de Mao Tsé-Tung. Portanto, não se trata da China que o ocidente gosta de falar a
respeito. Esta, é a china de Deng Xiao-Ping, que abraçou a globalização
capitalista antes da queda do muro de Berlim em 1989. A China aqui retratada
certamente sofreu transformações radicais o que por si só faz com que o
documentário mereça figurar entre os melhores filmes sobre a China moderna. Este
complexo, dispare, estranho e gigantesco território que serve de lar para 1,3
bilhão de pessoas às quais o resto da população mundial se vê inexoravelmente
dia a dia mais interligada.
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